quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Abismos

E eis que, hoje, logo pela manhã, me deparei com uma situação que me causou muitas sensações contraditórias.
Chegando ao ponto de ônibus, por detrás do Copacabana Palace, um grupo de 6 moleques de uns 14 anos passou por mim, olhando para as pessoas que estavam atrás, no ponto, dizendo "vamos lá"... Hesitando. Olhando uma e outra vez. "Vamos lá"...
Um dos moleques estava fumando, com olhos semifechados, e os outros eram menores que ele. Bermudas, chinelos velhos e camisetas largas e escuras. "Vamos lá".
Quando cheguei ao ponto, já tinham voltado e quase pegaram o celular de uma moça, que se surpreendeu e guardou imediatamente o seu pertence. Passaram direto, sempre olhando e, mais à frente, deram outra vez a volta e passaram mais uma vez por nós. Hesitantes. Olhei para cada um deles, alguns nos próprios olhos. Juntos, parecem fortes e temíveis. Deixam de ser o Jeison, o Cleiton, o Christian e o Alex e passam a ser um grupo.  Para mim, porém, não deixam de ser uns moleques de pé quase descalço e despidos de oportunidades.
As pessoas que estavam no ponto também se juntaram, formando outro grupo. Assim, parecíamos mais fortes também. Dois grupos de seres humanos, ambos com medo e entre os dois um enorme abismo social. Um grupo hesitante, querendo assaltar. Outro, surpreendido (ou não), na eminência de ser assaltado. O tempo parecia ter paralisado, embora os ônibus continuassem passando ferozes pela Nossa Senhora de Copacabana e o sol continuasse aquecendo e brilhando no céu azul.
Não aconteceu nada. A batalha entre os dois grupos ficou suspensa, foi erguida a bandeira branca antes de qualquer prejuízo. Poderia ter sido diferente.
No entanto, para mim, aconteceu muito. Quando moleques de catorze anos estão na rua assaltando, vestindo a camisa de vilões, muita coisa falhou e continua falhando. E, embora não seja nenhuma novidade, não tenha passado de um episódio "sem importância", pois não teve perdas materiais nem danos físicos, e episódios desses são, infelizmente, naturalizados por quem vive nesta cidade, não consigo ficar indiferente. Não consigo ficar parada, sem refletir sobre as causas e sem procurar soluções.
E, apesar dos sentimentos contraditórios, da tensão e impotência constantes, eu repito o que sempre respondo quando me questionam sobre ter saído do "1º mundo, onde tudo funciona e não tem violência": "por isso estou aqui". Sim, por isso estou aqui. "Mas será queo preço que temos que pagar para viver aqui é válido?", alguém insiste. Para mim, pelo menos por enquanto, sim, é válido. Apesar de tudo.

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