sexta-feira, 29 de junho de 2012

11 Semanas

11 semanas depois de ter aterrado no Santos Dumont, e de me deslumbrar com a beleza do Rio, dou por mim a recolocar algumas coisas na mochila, a olhar para a quantidade de livros sobre favelas e ongs que acumulei, os dossiers de cada turma, as anotações. Os desenhos dos mais pequenos. Dou por mim a preparar a casa para a nova voluntária, que chegará amanhã a Parada de Lucas. Dou por mim a despedir-me mentalmente de muitas pessoas e de muitos momentos.
Ainda ficarei duas semanas com a Elisa, mas estarei mais no backstage a  fazer avaliações, relatórios e a transmitir-lhe o melhor que possa tudo o que fui aprendendo nestas semanas. 
Não é fácil terminar algo que não está acabado. Nunca o estará. Queria fazer muito mais. Dar muito mais.  Muito, muito mais. Mas fiz e dei o que pude, com todo o meu amor e o melhor que pude. Espero que tenha sido o suficiente. 

11 semanas depois de ter sentido que, de alguma forma, pertenço a esta terra, fico feliz por ter aterrado nela.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Instituto Cervantes

Já é muito tarde e hoje foi um dia longo. Mas não poderia deixar de escrever umas palavrinhas. 
Fui com alguns dos meus alunos de excursão ao Instituto Cervantes. Antes demos um pulinho na praia de Botafogo, ali ao lado, porque não é todos os dias que podem ver o Pão de Açúcar bem de perto...
Visitámos as instalações do Instituto, a biblioteca, a sala de leitura; vimos uma exposição e assistimos à apresentação dos vídeos de cada grupo de alunos sobre o tema “porquê estudar espanhol?”. 

Foi uma experiência maravilhosa. O entusiasmo e a alegria desde que saímos de Lucas. A viagem animada de trem e metrô. A incredulidade quando viram de longe o edifício espelhado de 5 andares. O medo ao desconhecido. Desconfiança. Ana, eu não vou entrar aí não!! A forma como olhavam para todo o lado. O jeito de andar. A educação. Timidez. O nervosismo enquanto esperavam que os outros alunos, do próprio Instituto, chegavam. Ai, me estou sentindo mal, quero ir embora! (...) Por favor, Ana! Não saia do meu lado! A rapidez com que cortaram o gelo e, naturalmente, começaram a perguntar os nomes uns dos outros. Perplexidade. Admiração. Vontade de saber mais. Alegria. Descontração. Jogaram ao Busca a alguién que e rapidamente o auditório ganhou vida, com vozes gritando em portunhol En que més nasceste? Tens mascota? No te gusta o chocolate? Muita diversão. Assistimos à apresentação dos 5 vídeos e todos os grupos estiveram realmente de parabéns. Imaginação ao rubro. Muitas gargalhadas. 

Emocionei-me ao escutar as suas conversas, as trocas de email e de facebook. Garotos partilhando o mesmo espaço, unidos pelo mesmo motivo, que é aprender espanhol, rindo e conversando. Que diferenças havia? Uns vinham lá de longe, da favela de Parada de Lucas, outros ali do Bairro de Botafogo, de Copacabana ou Leblon. Mas, realmente, qual a diferença?
Na viagem de volta a casa, perguntei-lhes isso. Se tinham notado alguma diferença. Responderam que não. Eu pensei que iam ser uns playboys... mas eram bem bacanos...  (...) O Pedro era muito nerd... ah, mas a Mariana era muito louca, muito louca!... (...)

Posso ser mesmo sincera, Ana? (ui, pensei, o que vem aí!!!) Amei esta experiência.
Eu também amei esta experiência. Acompanhá-los e ajudá-los a conhecer um pouco mais do mundo de lá de fora, esse lugar tão distante. 

Antes de sairmos, brinquei com eles e disse que íamos viajar a Espanha, por isso só poderíamos falar espanhol, a estação de trem seria o aeroporto internacional de Lucas... e, enfim, de certa forma foi como viajar a Espanha. A outro país. A outro continente. Sair de aqui para a zona sul é viajar. E o melhor de viajar é conhecer e aprender, é abrir os horizontes, o olhar, o pensamento, saber que há mais para além da realidade segura, que conhecemos bem, e que o desconhecido e o incerto nem sempre são lugares ruins aonde chegar. Muito pelo contrário.


 Na praia de Botafogo, com o Pão de Açucar ao fundo

 
 No auditório do Instituto Cervantes

 Na Bilblioteca

 Na sala de leitura

Jogando ao Busca a alguién que...


Depois de todas as viagens, sejam elas quais sejam, a nossa mochila vem sempre mais cheia. Pesada. Suja. Desarrumada. E isso só significa que vivemos...

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Caíu a ficha

Caiu a ficha. Devia andar meia anestesiada, distante do calendário, absorvida pelo trabalho e pelas emoções.
Mas na próxima semana é a minha última semana de aulas. Ú-l-t-i-m-a   s-e-m-a-n-a   d-e   a-u-l-a-s. Esperem. Repitam outra vez que não entendi muito bem. Como? Não, devem estar enganados. De forma nenhuma. Por favor...  se ainda agora cheguei! Se ainda agora comecei a encaminhar as minhas turmas, se ainda agora começo a ver progressos no comportamento e aprendizagem, se ainda agora estou ganhando a confiança de cada um dos meus alunos, a desfrutar dos avanços e conquistas...
É duro. Começar algo e, de repente, acordar uma bela manhã, olhar para o calendário, cair na real e perceber que esse algo está terminando. Precisamente no momento em que estava começando.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Nova forma de ensaiar

"professora não vai dar pra ir essa semana eu estou ençainhando pra peça na igreja"

Falar com os meus alunos pelo facebook é descobrir uma nova Língua.
Eu escrevo-lhes em espanhol e às vezes eles tentam responder também em espanhol, e é melhor assim, porque os erros não custam tanto a tolerar...

terça-feira, 12 de junho de 2012

Ônibus 174 - 12 anos depois


Há dois dias atrás vi um filme que queria ver há já muito tempo: Última parada 174. Recomendo.
Quando pesquisei mais sobre os acontecimentos reais, o sequestro de um ônibus por um jovem sobrevivente da chacina da Candelária, descobri que foi no dia 12 de Junho do ano 2000. Há precisamente 12 anos. Que coincidência vê-lo precisamente agora.
Este filme emocionou-me muito. Ao vê-lo e revê-lo (devorei-o duas vezes, uma normal, outra com os comentários do realizador, todos os extra, etc.) identifiquei-me a mim e a muitas crianças, jovens e adultos com quem me tenho cruzado. Senti uma vez mais que há muito que fazer por aqui. Muitíssimo.
Chorei.

Internet

Realmente percebemos a importância da internet quando a deixamos de ter e nos sentimos perdidos durante 5 dias. Não funciona e não se percebe qual o problema, talvez tenha de vir um técnico mas como estamos em zona não formal a coisa pode demorar...
E aqui estou eu, numa Lan House rodeada de 18 garotos aos berros, a verem fotos de garotas no facebook ou a jogarem aos tiros (que ironia, com o que se passa lá fora).
Agora um ficou parado a olhar para o que eu estava a escrever durante uns 3 minutos intermináveis. Outro me deu um encontrou e nem se preocupou em olhar.
Paciência.
Tudo faz parte da experiência!

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Gravação do DVD Batuques do Meu Lugar de Arlindo Cruz

Foi muito, muito especial... assistir ao concerto do Arlindo Cruz em pleno Terreirão do Samba, na fila da frente, a poucos metros do Arlindo, do Caetano Veloso, do Zeca Pagodinho, do Seu Jorge...
Samba do melhor. 








terça-feira, 5 de junho de 2012

E tudo começou há 12 anos...

A primeira mensagem.
160 caracteres.
O primeiro sinal.
E passados 12 anos... 

Eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida eu vou te amar
Em cada despedida eu vou te amar
Desesperadamente, eu sei que vou te amar
E cada verso meu será
Prá te dizer que eu sei que vou te amar
Por toda minha vida
Eu sei que vou chorar
A cada ausência tua eu vou chorar
Mas cada volta tua há de apagar
O que esta ausência tua me causou
Eu sei que vou sofrer a eterna desventura de viver
A espera de viver ao lado teu
Por toda a minha vida


Favela

Arlindo Cruz

Entendo esse mundo complexo
Favela é a minha raiz
Sem rumo, sem tino, sem nexo
E ainda feliz.
Nem sempre a maldade humana
Está em quem porta um fuzil
Tem gente de terno e gravata
Matando o Brasil acima de tudo
Favela,ô
Favela que me viu nascer
Eu abro o meu peito e canto o amor por você.
Favela,ô
Favela que me viu nascer
Só quem te conhece por dentro
Pode te entender.
O povo que sobe a ladeira
Ajuda a fazer mutirão
Divide a sobra da feira
E reparte o pão.
Como é que essa gente tão boa
É vista como marginal
Eu acho que a sociedade
Tá enxergando mal
Entendo esse mundo complexo
Favela é a minha raiz
Sem rumo,sem tino,sem nexo
E ainda feliz.
Nem sempre a maldade humana
Está em quem porta um fuzil
Tem gente de terno e gravata
Matando o Brasil acima de tudo

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Loira de olhos claros

Acabo de ouvir pela segunda vez em 7 semanas que sou loura de olhos claros. E não por nenhum dos meus miúdos, o que poderia ser mais ou menos compreensível. Deles, farto-me de ouvir lá no seu país todos são da sua cor? Mas nem sequer estou em África, para parecer assim tão diferente!...
Uma colega do curso das Favelas, advogada, disse-me isso numa das longas e entretidas conversas que tínhamos depois das aulas. E agora um dos meus professores, falando pelo facebook, e referindo-se a uma ong que é muito política, etc, disse-me precisamente o mesmo. Loura de olhos claros. E lembrar que nasci com os cabelos pretos. Aos 31 anos descubro que sou loura. Esperem um momento. (...) Fui ali ao espelho ver se de repente me tinham manchado o cabelo de água oxigenada. Não, continuo igual. Um pouco mais morena do que cheguei (iupiii), os olhos mais ou menos claros, mas o cabelo continua castanho.
É tão interessante descobrir como nos vêem os outros, dependendo do lugar onde estamos.
Eu sempre brinco que gostava de ser mulata... e aqui passo por loura...!!!!

domingo, 3 de junho de 2012

Um dia feliz


5h45: Acordar. Uma neblina sinistra e pesada cobria Parada de Lucas. O dia ainda nem tinha nascido. Muitas armas na esquina de em frente. Mas eu sabia que me esperava um dia lindo de sol.
6h30 Ônibus para a Central. O sol começou a aparecer entre a neblina.
7h10 Ônibus para Copacabana.
7h30 Copacabana. SOL!
7h30 - 9h30 Caminhada de duas horas pelo areal. De uma ponta à outra, ida e volta. Um mergulho. Outro!... Passo ligeiro. Paisagem linda!!! Paz, felicidade...
9h30 - 11h Caminhada pelo calçadão. Ia-me encontrar com a Neuza, Eliza, Bia, Joabson, Karoline e Julia no metrô de Silveira Campos, mas atrasaram-se. Voltei para a areia. Escrevi.
11h-12h Aula de boxe com o personal trainer da Eliza. Todos juntos. Que descarga de adrenalina!!!! Precisava disso todos os dias. Jab. Direto. Cruzado. Gancho. 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10. Boa!! Isso, com força!!! Tire o tigre que está dentro de você! Muito, muito bom.
12h Agora todos a correr para a águaaaaaaaaaaaa!!!!!!!! Mergulhos. Rebolanços nas ondas. Saltos. Pirolitos. Gargalhadas. Água na boca. Ajeita o biquíni. Ana, me seguraaaaa que não sei nadar. Aiiiiii, essa onda é enorme!!! A Julia se agarra ao meu biquíni e quase fico pelada. Fotos. Jab. Direto. Mais gargalhadas. Confissões. Olhares. Ondas, muitas ondas, muita água, muitas gargalhadas... Passaram-se horas. O tempo parou. Desde quando não vinha à praia, Carol? (...) Vai fazer 2 anos... (...) Rebola, corre, salta, grita.
14h45 Saímos da praia. Mas depois podemos voltar? Eu também não queria sair dali. Caminhámos no calçadão. O Joabson não parava de tirar fotos. Ana, veja, gosto muito de fazer fotos de paisagens. Olhava para o céu. Para os prédios. Para os ramos das árvores. A Neuza diz: se você fosse branco, era turista, mas como é mulato, é pobre. Sorrisos. Não sei o que pensar, mas essa frase me marcou. 
16h O plano era irmos a um Rodízio de Pizzas, mas só abria a partir das 17h. Eu e a Eliza fomos comprar pães com queijo de Minas para acalmar os estômagos esfomeados e voltámos para a praia. O sol já tinha desaparecido e a luz de fim-de-tarde estava maravilhosa. Perfeita para fotografias. Perfeita para pensar. A lua cheia apareceu. Que momento mais perfeito! Os garotos voltaram para a água. Fiquei a observá-los. A pensar no quão felizes estavam sendo naquele momento. Que duro viver no Rio e passar anos sem descer a Copacabana. Pior, viver onde não existe nenhum parque infantil, nenhum jardim, árvore, nenhuma praça, nenhum recanto agradável de convívio, nenhum espaço inspirador para dar asas à imaginação e criatividade. Conviver com armas, medo, insegurança.
Ao voltar, olhei para o mar, para a lua, para todos eles, e guardei essa imagem dentro de mim.
17h15 Restaurante com Rodízio de Pizzas. Pizza 4 queijos. Portuguesa. Presunto e queijo. Frango catupiry. De alho. De gambas ao molho. De strogonoff (!!!!!). Pizza de chocolate e coco. Pizza de chocolate preto e branco. Pizza de sorvete!!!! Uma delícia! :)
18h30 Caminhámos pela Rua Nossa Senhora de Copacabana até Princesa Isabel numa tentativa frustrada de nos sentirmos menos pesados. Daí, iniciámos a nossa viagem de regresso. Não quero ir para casa! Música no celular para todo o mundo ouvir. Canções. Mais gargalhadas.
20h Parada de Lucas. Aii... porque é que temos de regressar a Lucas?
Tomar banho. Hidratar a pele, que começa a ter outra cor mais saudável, por fim! Ver as fotografias. Escrever.
Falar com a Bia no chat do facebook. Ana, você é psicóloga? Não, mas se fosse hoje teria estudado psicologia, sim. Porquê? Porque tem vezes que você parece. Ou seja, tu tem jeito para ser. (...) Você passa confiança. Entendeu?
Todos temos uma missão nesta vida, e sinto que a minha é ajudar um pouco as pessoas, mostrar que a vida é feliz, distribuir amor e amizade às pessoas. E muita energia positiva. Sei que não posso mudar o mundo, mas se puder mudar um pouco o mundo de alguma pessoa... isso já me deixa muito feliz. Rsrsrs. Fique tranquila que a sua missão está sendo cumprida, viu. Eu vou ser grata a Deus e a vc por isso.
Eu é que estou grata por ter a oportunidade de estar aqui, de fazer o que gosto, de aprender e receber tanto em cada dia que passa.
23h50 Tinha que ter escrito 6 relatórios das aulas, feito dois orçamentos do projeto, escrito 4 emails. Help!