E eis que, hoje,
logo pela manhã, me deparei com uma situação que me causou muitas sensações
contraditórias.
Chegando ao ponto de
ônibus, por detrás do Copacabana Palace, um grupo de 6 moleques de uns 14 anos
passou por mim, olhando para as pessoas que estavam atrás, no ponto, dizendo
"vamos lá"... Hesitando. Olhando uma e outra vez. "Vamos
lá"...
Um dos moleques
estava fumando, com olhos semifechados, e os outros eram menores que ele.
Bermudas, chinelos velhos e camisetas largas e escuras. "Vamos lá".
Quando cheguei ao
ponto, já tinham voltado e quase pegaram o celular de uma moça, que se
surpreendeu e guardou imediatamente o seu pertence. Passaram direto, sempre
olhando e, mais à frente, deram outra vez a volta e passaram mais uma vez por
nós. Hesitantes. Olhei para cada um deles, alguns nos próprios olhos. Juntos,
parecem fortes e temíveis. Deixam de ser o Jeison, o Cleiton, o Christian e o
Alex e passam a ser um grupo. Para mim, porém, não deixam de ser uns
moleques de pé quase descalço e despidos de oportunidades.
As pessoas que
estavam no ponto também se juntaram, formando outro grupo. Assim, parecíamos
mais fortes também. Dois grupos de seres humanos, ambos com medo e entre os
dois um enorme abismo social. Um grupo hesitante, querendo assaltar. Outro,
surpreendido (ou não), na eminência de ser assaltado. O tempo parecia ter
paralisado, embora os ônibus continuassem passando ferozes pela Nossa Senhora de Copacabana e o sol continuasse aquecendo e brilhando no céu azul.
Não aconteceu nada.
A batalha entre os dois grupos ficou suspensa, foi erguida a bandeira branca
antes de qualquer prejuízo. Poderia ter sido diferente.
No entanto, para
mim, aconteceu muito. Quando moleques de catorze anos estão na rua assaltando,
vestindo a camisa de vilões, muita coisa falhou e continua falhando. E, embora
não seja nenhuma novidade, não tenha passado de um episódio "sem importância",
pois não teve perdas materiais nem danos físicos, e episódios desses são,
infelizmente, naturalizados por quem vive nesta cidade, não consigo ficar
indiferente. Não consigo ficar parada, sem refletir sobre as causas e sem
procurar soluções.
E, apesar dos
sentimentos contraditórios, da tensão e impotência constantes, eu repito o que
sempre respondo quando me questionam sobre ter saído do "1º mundo, onde tudo funciona e não tem
violência": "por isso
estou aqui". Sim, por isso estou aqui. "Mas será queo preço que temos que pagar para viver aqui é válido?",
alguém insiste. Para mim, pelo menos por enquanto, sim, é válido. Apesar de
tudo.