terça-feira, 24 de abril de 2012

1º dia de aulas

Hoje comecei as aulas de espanhol e aprendi imenso com os meus pequenos e também com os maiores!
Aprendi que antes de ensinar o verbo ser em espanhol a miúdos de 8 e 9 anos tenho que o ensinar em português, escrever no quadro e rever em cada um dos cadernos os erros da cópia...
Aprendi que os maiores, de 17 e 19 anos, não sabiam em que continente fica o Brasil, que o espanhol se fala em muitos países, que o português também é falado em alguns países de África, que não fazem ideia onde fica Portugal, Espanha... 
Aprendi que conseguir que os mais pequenos fiquem quietos um segundo é tarefa impossível, aprendi que todos querem a minha atenção em todos os momentos, excepto naqueles em que estão a dar a borracha ou o lápis ao Tamai (o nosso cachorro), a comer bolachas às escondidas ou a desenhar o Cristo Redentor no caderno (e muito bem desenhado...).
Aprendi que não é nada fácil dar aulas, principalmente a crianças e jovens que cresceram neste ambiente pobre e violento e desenvolveram imensos problemas psicológicos. Hiperactividade e transtorno bipolar diagnosticados e medicados são o pão nosso das minhas turmas.

Saí exausta de apenas 6 horas de aulas, mas aprendi a importância deste trabalho aqui na favela.
E um beijinho de despedida, um "hasta luego, Ana!", um "estou a aprender mais aqui que na aula de geografia!" são mais do que suficientes para me dar força para continuar este desafio. 

 Como sempre, sei que aprendo e recebo mais deles do que eles de mim.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Momentos improvisados

É impressionante a facilidade com que as pessoas começam uma conversa comigo em qualquer sítio, que às vezes dura mais de uma hora, duas, três ... e eu a aprender, a observar, a absorver todas as palavras da outra pessoa sem querer perder nenhum ponto, nenhuma vírgula.

Passo horas a ouvir a Neuza, que é uma maravilhosa contadora de histórias e escritora de contos. Já li alguns e fiquei mesmo emocionada com tanta arte.

À noite saí de casa com um jovem voluntário que foi criança no CIACAC e acabei por estar uma hora a conversar sobre a História do Brasil em casa do irmão mais velho dele, saindo de lá com a promessa de voltar para comer uma feijoada da mulher, que é a melhor de todas.

Depois fomos andar a pé, porque passei o dia sentada a preparar as fichas dos alunos e a ginástica e a caminhada matinal já não faziam efeito, por isso precisava de desanuviar um pouco. Quando dei por mim, estava em plena aula de karaté numa academia de um bairro aqui ao lado...!!!!! Sim, sim... K-a-r-a-t-é!!!! Foi o máximo... Havia desde crianças de 6 anos a pessoas bastantes mais velhas e todas com uma energia impressionante. Costumam ir a campeonatos aqui no Rio... e eu ali no meio... Da aula de envelhecimento saudável para a aula de karaté! :)

Na última parte (foi uma aula de 2 horas) fiquei só a ver porque a aula ia continuar com o professor principal e pensei que fosse muito avançado, mas fiquei cheia de inveja porque colocaram música e foi uma espécie de cardio-box, com exercícios muito, muito puxados e espectaculares.
Em compensação, o pai de um aluno meteu conversa comigo e foi óptimo, falámos da situação social no Brasil, das políticas do Governo, etc. e etc... Ele é militar e está a terminar a licenciatura de direito, uma pessoa muito interessante e culta e aprendi imenso com ele.
Acabou por nos trazer de carro aqui à Parada de Lucas e eu entrei em casa pensando que estes momentos improvisados são tremendamente únicos e sublimes.

Envelhecer com saúde

6:00 Despertar
6:30 - 7:00 Caminhar
7:00 - 8:00 Aula de ginástica para a 3ª idade

Mais um passo na minha integração aqui na comunidade. Não poderia estar este tempo aqui sem caminhar, fazer abdominais e flexões, dar pulinhos para a frente e para atrás, fazer sentadilhas, trabalhar glúteos, alongar. Não, isso seria impossível. Por isso hoje, depois de ter insistido com a Neuza, que já estava a arranjar uma desculpa para não ir, saímos cedo para caminhar a passo ligeiro pela comunidade. Às 6h30 da manhã já estavam as ruas repletas de gente e as crianças de uniforme da Prefeitura a irem apanhar o ônibus para a escola.
Às 7h chegámos ao lugar onde um professor de meia idade dá aulas de ginástica, no âmbito do Programa Estatal "Envelhecer com Saúde". Fila para medir a tensão arterial com a enfermeira jovem: 11-7, está boa, pode passar. Dar voltas ao pavilhão para aquecer, esticar braço, mexer perna, rodar cintura, dar saltinhos laterais, flexionar pernas, 1, 2, 3, 4,... olha o churrasco de domingo que tem de desaparecer, 1, 2, 3, 4, ... olhe aí essa bundinha...
Fabuloso! Uma aula energética sem sequer haver música, com o professor a animar e a corrigir os exercícios sem perder o ritmo... muito bom e incrível como se pode fazer tanto sem recursos!
No fim, então hoje a palavra é o perdão. Temos de perdoar ao próximo porque só assim conseguimos libertar tensões e pensamentos negativos... vamos perdoar... vamos conhecer o outro... provavelmente vocês ainda não se conhecem todas umas às outras... vamos perdoar e, para isso, vamo-nos abraçar... De seguida, um capítulo da Bíblia, mãos dadas e a rezar.
Os últimos 10 minutos da aula apanharam-me de surpresa e dei por mim a observar atentamente a cada uma das minhas colegas de ginástica quando todas tinham os olhos fechados e rezavam fervorosamente.
Esqueci-me de dizer que as aulas são dadas por uma das imensas Igrejas Evangélicas da comunidade.
Independentemente de convicções e fés, todos me acolheram tremendamente bem e já sou mais uma do grupo de ginástica das 7h da manhã, de segunda a sexta-feira.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Oi Ana, tudo bom?

Passados 4 dias, para além dos olhos curiosos que sinto sobre mim, de vez em quando já surge um "oi Ana, tudo bom?". Já conheço algumas crianças, pais de crianças, o Paulo da mercearia, o António que me carregou a bateria do celular porque o meu não funciona, a Ariane que tem o ciber café e está a estudar engenharia tecnológica. Conheço os vigias que estão nas esquinas com rádio para comunicarem entre eles e com alguma que outra arma aparatosa à cintura. 
Ando pelas ruas com confiança, vejo sempre alguém conhecido e já me viro sozinha. Sinto-me bem aqui, privilegiada por poder ter a oportunidade de viver numa favela e conhecer de dentro a realidade que muitos só vêem de fora.

sábado, 14 de abril de 2012

Uma estrangeira na favela

É contrangedor, mas ao mesmo tempo interessante e enternecedor, sentir os olhos sairem de todo o lado quando passo nas ruas, entro na mercearia, sento na lanchonete. Alguns ficam admirados, outros tímidos, as crianças sorriem muito, e todos, todos ficam muito curiosos.
Ontem conheci um senhor que estava incrédulo e emocionado porque nunca tinha falado com uma estrangeira. Dizia que enquanto me ouvia estava viajando!
Hoje na lanchonete uma menina não parava de sorrir, até que me perguntou se eu morava ali e fiquei a conversar com ela e o irmão enquanto tomava suco de goiaba e comia um pastel. Voltarei!


sexta-feira, 13 de abril de 2012

Instalada no Rio de Janeiro!

Já estou instalada no Rio de Janeiro, ontem foi um dia super looongoo porque praticamente não dormi no avião e foram 16 horas de viagem.
Aterrei nesta cidade maravilhosa às 10h da manhã, no aeroporto nacional, mesmo em frente ao mar... que beleza!!! :) E que calor e humidade, uauuuu!!!!

Foi-me buscar uma voluntária americana e apanhámos um taxi. Quando dissemos que vinhamos para Parada de Lucas, o taxista torceu o nariz e disse que não ia entrar, que lá estavam em guerra e podiam pensar que ele era polícia e revisarem o carro, fugirem com ele, etc. etc...
No entanto, lá fomos nós pela imensa e traficada Avenida Brasil e na passarela 19 virámos para a comunidade. O taxista estava com receio, mas nós dissemos para ele confiar e abrimos os vidros, cumprimentámos as pessoas, perguntámos onde era a ong CIACAC, da Neuza... e isso é o melhor cartão de visita. O táxi deixou-nos mesmo à porta e... voilá! Ali estava eu na minha nova casa!!! :)

A ong tem uma sala de aula e outra de computadores muito pequenas e um pátio na entrada. No 1º andar tem a casa da Neuza, minúscula, e no 2º andar a casa recém-acabada-de construir onde já estou a viver. Tem uma sala, uma cozinha, duas casas de banho e um quarto. Está recém-pintada e as instalações são simples mas óptimas!!! Coloco aqui as primeiras fotografias que tirei...

O meu quarto, ainda com o fogão que vai para a cozinha e os sofás da sala

A cozinha, que ainda não tem nada, mas que é bastante grande. A geladeira deve chegar na próxima semana!

A sala, que hoje já se transformou no meu escritório! :) Uma mesa, uma cadeira e a ventoínha que me acompanha para todo o lado!!!

A sala


As vistas do meu quarto! 

 As vistas da janela da sala

Ontem almoçámos na comunidade, no "Luizinho" e comi (como não poderia deixar de ser) arroz com feijão preto (deliciosos!) e filete de pescada. 

A Neuza foi-me apresentando a várias pessoas, muito simpáticas, e é importante que todos me conheçam, incluso os bandidos, como ela disse!!! Há que saber as normas e saber viver, mas não parece nada difícil!

Em princípio ainda não começarei a dar aulas na próxima semana, porque existe ainda muita coisa para organizar. A ong tem crescido muito nos últimos tempos, mas o dinheiro e a equipa de trabalho não tem acompanhado! A Neuza está sozinha, conta apenas com voluntários da comunidade que dão aulas de guitarra de manhã e de tarde e a Eliza (a americana) que dá inglês duas vezes por semana. 
Eu darei aulas de espanhol quatro vezes por semana a três turmas e provavelmente também apoio escolar, porque as crianças têm muitas dificuldades na escola e seria importante ajudá-las com os trabalhos de casa e matérias mais difíceis.

Depois fui com a Neuza a Copacabana de trêm porque ela tem lá a dentista dela e foi a uma consulta. Aproveitei para tratar de várias coisas e passear por lá, comer pão de queijo e relembrar que precisamente há 20 meses atrás andava ali a passear com o Rich em plena lua de mel...

O regresso a casa foi a parte mais dura do dia, porque decidimos regressar em ônibus e foi horrível... apanhámos tanto, mas tanto trânsito que demorámos mais de duas horas em chegar...!!!!! 

A comunidade à noite também parece pacífica e muito tranquila, há muita luz (lâmpadas penduradas de um fio ao longo do canal, parece um arraial), homens a ver futebol, crianças a brincar nas ruas. Aproveitei para arrumar as mochilas e já me deitei depois da meia-noite... muito cansada... mas com uma sensação muito boa dentro de mim!!! 

Não sei explicar, mas de alguma forma sinto como se pertencesse a esta terra, que já estou completamente adaptada e que é bem fácil viver aqui!...

segunda-feira, 9 de abril de 2012

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Arroz com feijão preto - inauguração

Arroz com feijão preto é um prato típicamente brasileiro que não falta em nenhuma casa, por mais humildes que sejam os seus moradores. Uma dupla perfeita, rica em muitos nutrientes e proteínas.


Muito em breve, será a minha comida diária... e este será um espaço no qual partiharei as experiências da minha nova aventura por terras brasileiras. Rio de Janeiro, até já!!!!