"Até segunda-feira, depois do meio dia!”. “Sim, quando o sol aparecer na segunda-feira será hora de vir trabalhar! Bom fim de semana!”
Entramos em feriadão devido à Jornada Mundial da Juventude: dois dias
inteiros e a manhã de segunda-feira, graças à visita do Papa Francisco. Ou
graças à falta de capacidade da cidade maravilhosa para acolher tantas pessoas
nas suas ruas, praias e transportes públicos. Assim, foram declarados feriados
municipais, talvez com a esperança que os cariocas saiam do Rio para dar espaço
aos peregrinos pois, todos, certamente não cabemos.
Ontem também foi feriado a partir das 16 horas (2 horas de feriado!) e,
contente por ir cedo para casa, fui surpreendida pela estação de metro fechada
na Glória. “Não suporta mais gente!”, “Isto são os transportes
públicos do Rio!”, comentavam algumas pessoas enquanto saíam da estação
depois de, minutos antes, terem lentamente entrado, em fila. Mais tarde vim a saber que foi uma falha elétrica. Passada a
estupefação, ou não, pois lá no fundo sabia que podia acontecer algo assim,
resolvi caminhar até ao Largo do Machado para ver se, desde lá, poderia
embarcar no tão desejado metro. Isto porque de ônibus nem pensar, dadas as ruas
cortadas e os ônibus lotados pela missa e demais eventos da JMJ durante toda a
tarde e noite na praia de Copacabana. Nada feito, estação de metro fora de serviço e uma multidão amontoada à porta. Nem me atrevi a chegar perto. Por sorte, e com surpresa, o sistema de
bicicletas do Itaú funcionou! – fico sempre nervosa quando tenho de recorrer ao
serviço das chamadas magrelas (eu prefiro chama-las de laranjinhas)
porque realmente é ótimo quando funciona mas, demasiadas vezes, aquela luz
verde acende mas a bicicleta não sai, ou não há nenhuma disponível... Senti-me,
pois, uma privilegiada por viver a uma distância passível de ser recorrida em
bicicleta desde o trabalho. Pelo caminho, mochilas amarelas, azuis e verdes,
bandeiras de todos os países e bonés brancos com o símbolo da Jornada iam
cantando, a pé pelas ruas ou dentro dos ônibus transformados em latas de
sardinha. Em sentido oposto, trabalhadores se acumulavam nos pontos de ônibus e
comentavam o difícil que seria chegar a casa. O céu estava gris, começando a
dar razão às previsões pessimistas do Climatempo que anunciavam a chegada da
frente fria que manchou de branco algumas montanhas e cidades dos Estados mais
a sul.
Quando cheguei à nossa rua, esta estava cortada e invadida por mais
mochilas amarelas, azuis e verdes, bandeiras de todos os países e bonés brancos
com o símbolo da Jornada. Os camelôs tentavam vender mais bandeiras e capas de
chuva. A fila da Hamburgeria Bob`s dava a volta ao quarteirão. Por momentos veio-me ao
pensamento uma oportunidade de negócio – a mim... – que seria fazer umas
sanduíches caseiras e vendê-las aos peregrinos que faziam fila ali na porta do
prédio.
Por fim cheguei a casa, imaginando o bom que seria desmaiar debaixo do
chuveiro quente e permanecer na borbulha do nosso 12º andar até à manhã
seguinte. Mas a curiosidade e o bichinho jornalístico fizeram com que voltasse
a descer, desta vez com o Rich e a máquina fotográfica ao pescoço. Toda a orla
de Copacabana estava repleta de gente e de écrans gigantes dando o espetáculo
que acontecia no palco, mega-palco, situado no Leme. De mãos dadas, as mochilas
amarelas, azuis e verdes caminhavam em direção ao Leme, dançavam na areia, se
abraçavam, se beijavam, cantavam. Toda a praia era um manto de cores e
bandeiras do Mundo inteiro. Rezaram o terço. Alguns rostos se encheram de
lágrimas. O arcebispo do Rio de Janeiro presidiu a missa e a festa continuou. A
multidão passou lá em baixo pela noite adentro, víamos os reflexos dessas
mochilas amarelas, azuis e verdes nos prédios de em frente e adormecemos num
sono profundo embalados pelos gritos e musiquinhas... “Chi chi chi, Le Le le , Chiiiillleee!”
A manhã acordou gris e húmida, qual dia de Outono na cidade Invicta. Uma
chuva miudinha e fria, que parece trespassar os ossos, casacos compridos,
botas, cachecóis e até luvas e gorros com cheiro a naftalina desfilaram pela
calçada portuguesa. No trabalho, tive que ouvir o famoso comentário “mas você está com frio? não é europeia?”,
como ser europeia me tornasse um ser imune às baixas temperaturas que entravam
pela porta da varanda que teimaram em deixar aberta. Quando eu gostaria de ter
a porta aberta, para entrar ar e sol, o pessoal fecha tudo, liga o ar
condicionado e as luzes artificiais. Hoje, o ar condicionado era a chuva
miudinha que me trespassava os ossos e entrava pela porta da varanda. Mas sou
europeia, não tenho direito a sentir frio. Pena que no meu fundo de armário
carioca só tenha uns poucos casacos de algodão e lenços primaveris. Deixei lá
na Espanha, ou em Portugal, agora já nem sei mesmo onde, os casacos compridos,
os gorros e as luvas. Para quê?
O pior de tudo é que esta frente fria, a pior dos últimos anos, chega
precisamente com mais um feriadão e trazendo grandes prejuízos morais e
econômicos... Partíamos esta noite para Petrópolis, para amanhã começarmos a travessia
da Serra dos Órgãos. 3 dias caminhando pela montanha na companhia de amigos,
longe da confusão, só nós e a natureza. Perdemos o dinheiro das entradas no
Parque Nacional e o alojamento nos Refúgios de Montanha, ganhamos quatro dias e
meio de chuva, frio, ruas interditadas, metro com horário restringido e um
bairro sobrelotado de mochilas amarelas, azuis e verdes, bonés brancos, capas
de chuva, terços, bandeiras e gritos de “Chi
chi chi, Le Le le , Chiiiillleee!”.
Aproveitarei para fazer aquilo que vou adiando por não aguentar muito tempo
quieta quando o sol brilha lá fora, como escrever, ler, ver filmes, e para
desfrutar do conforto de um chá quente tomado debaixo do edredom. O que me
alivia é pensar que esta chuva miudinha e fria, que parece trespassar os ossos,
e o céu gris, só duram uns poucos dias. Dois, três dias. Ou quatro e meio.
Enfim, o tempo que dure o feriadão.
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