quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Um sonho realizado


Prezada (...),
Tive conhecimento do seu email através do Observatório das Favelas e tomo a liberdade de lhe escrever para pedir assessoramento. Sou graduada em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal) e (...) Actualmente trabalho como educadora de rua num projeto desenvolvido pela Associação La Rueca em Madrid, atendendo a jovens imigrantes em risco de exclusão social. (...) Em 2004/2005 trabalhei também como educadora social numa ONG alemã, em Stuttgart, e colaborei durante muitos anos (...)
Estou muito interessada em ampliar a minha experiência profissional a nível internacional e tenho como objetivo ir para o Brasil muito brevemente. Gostaria muito de trabalhar no âmbito das favelas e, como tal, gostaria de lhe pedir assessoramento em relação a possíveis contatos, informação sobre ongs, projetos existentes, etc.
Muito obrigado por antecipação.
Atenciosamente,

(...)
Há precisamente um ano atrás, em meados de Setembro, comecei a enviar dezenas de emails a várias pessoas que fui encontrando através da árdua pesquisa na internet de ongs que realizassem de alguma forma intervenção social nas favelas do Rio de Janeiro. O meu objetivo era um: vir para cá trabalhar nas favelas. Tinha-me apaixonado por esta cidade em 2010, quando iniciamos aqui a nossa lua de mel e em quatro dias chuvosos passeamos pelo calçadão, pela lagoa Rodrigo de Freitas, Jardim Botânico, Urca, Rocinha. Foi aí que desejei tremendamente trabalhar numa favela.
A busca foi intensa, a luta tremenda, as respostas aos emails foram um sinal. Tive vários sinais. Ao contrário do que estava acontecendo em Espanha, que ninguém me respondia aos emails relacionados com pedidos de trabalho, desde longe me chegaram várias respostas. Uma delas fez-me viajar a Lisboa e conhecer um dos sociólogos mais prestigiados do Rio, passar uma tarde na sala 5-11 do Instituto de Ciências Sociais ouvindo histórias sobre as milícias, os bailes funk, a vida nas favelas, as transformações da cidade partida... enfim, conhecimento puro. Saí com o Vida sob Cerco, Violência e Rotina nas favelas do Rio de  Janeiro debaixo do braço. Assinado: À Ana Olívia, esperando que consiga aquilo a que se propõe, e que esta coletânea possa ajudar. Lisboa, out 2011.
E consegui. Lembro-me disso todos os dias e agradeço tremendamente estar vivendo esta realidade que já foi um sonho. Por isso momentos como os de hoje são tão especiais. Fui à apresentação do livro O Novo Carioca, cujos autores receberam em seu dia, há precisamente um ano atrás, um email meu a pedir assessoramento. Cruzo-me diariamente com pessoas diretamente relacionadas com a luta pelo respeito dos direitos humanos nas favelas, com a intervenção social, a mediação de conflitos, a implementação de políticas públicas. Estou entre elas. Trabalho com elas. Vivo no Rio. Vivo numa favela. E tudo tem sentido, um ano depois.
PS: E daqui a 4 horas terei que acordar para ir trabalhar no Complexo do Alemão...

Sem comentários:

Enviar um comentário